Por Vitória Lopes
Após observar a dificuldade das organizações beneficiárias ingressarem nos editais com seus projetos, o Programa REM MT realizou uma série de melhorias para a segunda chamada de projetos do Subprograma de Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais (AFPCTs). O intuito era tornar o processo mais acessível às comunidades, de forma que projetos menores pudessem participar, valorizando suas cadeias de valor.
De acordo com o coordenador do Subprograma Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais (AFCT), Marcos Balbino, foram incluídas várias estratégias nesta chamada para torná-la mais acessível.
“Nesta edição, realizamos a chamada em duas etapas, uma etapa pré-classificatória, onde os projetos responderam a um formulário com as principais informações sobre suas atividades, demonstrando seu interesse em participar do edital. Apenas as manifestações selecionadas nesta fase, seguiram adiante. Mas, ao invés de desenvolverem seus planos de gestão para se inscreverem no edital por conta própria, contratamos um serviço especializado e dedicado, que chamamos de mentoria estratégica, com a intenção de apoiar e aumentar as chances das organizações menores e menos experientes terem seus projetos selecionados para participarem do edital”, conta o coordenador.
Marcos Paulo, Coordenador do Subprograma AFPCT (Crédito: REM-MT)
Segundo Marcos, outras medidas importantes que estão sendo tomadas no mesmo sentido, são: terem sido considerados os elos das cadeias produtivas, a contratação de profissionais para acompanhar a execução dos planos de gestão, a inclusão de cadeias ainda não estruturadas da sociobiodiversidade, a realização de mentorias, capacitações e mapeamentos personalizados das cadeias de valor dos empreendimentos, entre outros.
Na última reunião do programa, que aconteceu em Chapada dos Guimarães, as instituições parceiras avaliaram positivamente esta iniciativa do REM MT.
O coordenador da Devallor – empresa contratada para a consultoria -, Roberto* destaca que a atitude do Programa REM MT é inovadora. Segundo ele, geralmente, as organizações “dão o seu jeito” para conseguir atender aos critérios do edital.
“A gente consegue visualizar que teve um cuidado especial, para contratar uma mentoria, no caso foi a gente [Devallor], para apoiar essas organizações na elaboração dessas propostas, para depois ser lançado o edital e na sequência um comitê técnico conseguir avaliar essas propostas. O que a gente mais vê nos projetos, são as pessoas entregando uma proposta, fazendo a sua leitura, que muitas vezes foge muito do que se tá pedindo dentro dos corpos dos projetos, e não conseguem ser qualificados”, aponta.
A chamada mais acessível é também uma forma de reparação. “Às vezes, fazendo até uma correção histórica, de buscar igualdade para esses povos tradicionais, agricultores familiares, que às vezes estão à margem de um processo de inclusão socioprodutivo”, comenta Roberto*.
Comunidades mantêm a floresta em pé
Muitas vezes, as comunidades e povos indígenas já desenvolvem práticas agroecológicas. Contudo, por não terem essa acessibilidade, acabam perdendo as oportunidades de financiamento, explica Gabriela*, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
“O mais interessante desse processo todo é observar como que alguns grupos sociais, como é o caso dos povos indígenas, foram se organizando em associações para poder acessar esses recursos e desenvolver as cadeias produtivas dos sistemas extrativistas. Pude observar avaliando os planos de gestão que existem muitas alternativas e iniciativas dentro do Estado de Mato Grosso para a manutenção da floresta em pé, mas faltava apoio financeiro para que esses planos fossem executados. O programa REM Mato Grosso conseguiu diversificar os tipos de projetos apoiados, fortalecendo cadeias produtivas extrativistas, como: café, cacau, pequi e a castanha, que são produtos amplamente utilizados pela população brasileira. Temos um longo caminho pela frente, mas a evolução e a transformação oriunda dos planos de gestão com certeza vão possibilitar uma relação mais equilibrada com a natureza”, observa.
Reunião do comitê técnico do Programa REM MT (Foto: REM-MT)
Como membro do comitê técnico do Programa REM MT, Gabriela pontua que em relação às outras chamadas de projetos, o edital se aperfeiçoou.
“Uma das principais características que eu observei atuando nas chamadas de 2020, 2021 e 2022 foi que o programa passou por um processo de amadurecimento. Observei isso tanto no processo de chamadas/editais de seleção, quanto nas instituições participantes e no próprio movimento que se criou no estado de Mato Grosso”.
Professor da UFMT, José* acrescenta que além de promover a agricultura familiar e de povos tradicionais, mulheres e jovens também ganham com as capacitações.
“Percebendo o perfil desses agricultores, desses atores locais que estão ligados com à sociobiodiversidade, você percebe que eles conseguiram concatenar as ideias e se estruturar a partir desse processo de consultoria. E você tem minimamente ali os objetivos, indicadores entregues pelos objetivos. Você tem a interlocução entre o ‘gap’ principal da proposta, que é essa tentativa de inserir as mulheres e os jovens nesse processo”.
Metodologia e capacitação
A metodologia aplicada trouxe mais clareza sobre o envolvimento das organizações nos planos de gestão, disse Guilherme*, da Secretaria de Estado Agricultura Familiar (Seaf).
“Esses planos de gestão não só levantam, mas também analisam todos os elementos necessários para construir projetos, para fortalecer as cadeias de valor, dialogando com todos os agentes envolvidos, para que apoiem a construção das ações, entendam a cadeia e tenham clareza do seu papel. E aí a gente entra na governança, que também destaco como outro ponto forte dessa metodologia”.
Analista da Embrapa Acre, do Setor de Prospecção e Avaliação de Tecnologias, Giovana* tem experiência em participar de outras chamadas. Portanto, observou que a metodologia empregada pelo REM MT foi muito acertada.
“É um recurso que é muito valioso, a gente sabe que para fomentar e estruturar essas cadeias produtivas da sociobiodiversidade, que tanto contribui na manutenção da floresta em pé. E um ponto de destaque que eu vejo nessa chamada foi realmente essa mentoria que foi concedida pras organizações”.
O Coordenador do Subprograma Territórios Indígenas, Marcos Ferreira, aponta que mapear o local de produção das pessoas também é importante para envolvê-las cada vez mais nas cadeias. “Esse mapeamento é fundamental, porque as pessoas não conseguem se ver em um sistema, elas se vêem isoladas. Ele coleta aquele produto e vende pelo menor preço que ele conseguir, mas há a possibilidade de interação com outra instituição se você conseguir otimizar, usar o recurso para conseguir os melhores preços”.
Marcos Ferreira, coordenador do Subprograma STI/REM MT. Foto: Fernanda Fidelis/REM MT
Participaram do comitê técnico: Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de Mato Grosso (Sedec), Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), Secretaria de Estado Agricultura Familiar (Seaf), Embrapa, Fiocruz e Consultoria Gopa.
O edital
O Programa REM MT, no âmbito do Subprograma de Agricultura Familiar e de Povos e Comunidades Tradicionais, abriu a chamada de projetos 12/2022, em dezembro de 2021. As organizações inscritas e habilitadas na manifestação de interesse apresentaram suas propostas de Planos de Gestão de Cadeia de Valor da sociobiodiversidade para o estado de Mato Grosso. Os projetos deviam ter valor mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Nesta chamada, foram disponibilizados até R$ 38.750.000,00.
*Foram utilizados nomes fictícios ao longo da matéria, para que sejam preservadas a transparência e a legitimidade do processo na seleção de propostas.